Cinema, filme, e o que é tudo isso

Começar essa coluna se mostra a cada dia mais difícil. Ela leva o título de uma aula conhecidíssima da faculdade de Cinema na UFF, ministrada pelo professor e pesquisador, tão famoso quanto, João Luiz Vieira. Se me lembro bem, foi nesta aula que me foi apresentado o que é plano, sequência, e tantos outros princípios da sétima arte. Pensei então que este seria um bom ponto de partida para nós. Entretanto, foi quando fui questionada pelo meu irmão de 10 anos se um rolo de filme 35mm de fotografia still tinha de fato um filme que parei para pensar que começar a falar sobre cinema deve começar antes de falar sobre planos, e sim o que é propriamente um filme.

Desta forma, dada a relevância de se manter em mente que o cinema é técnico, eu vi a necessidade de ter comigo nesse artigo alguém que pudesse elucidar os princípios técnicos que este exige. O artigo então é escrito não apenas por mim, Shay Esterian, mas também - e principalmente - pelo diretor de fotografia Vitor Novaes.

Após a consolidação da fotografia fixa, não demorou muito para que os esforços se direcionassem para a captação do movimento. É assim que surge a Cronofotografia. Não ainda com interesse comercial ou de entretenimento, mas sobretudo para uso científico. A fotografia se torna, nesse momento, uma forma de observar as fases de movimentos de animais, como humanos, pássaros e cavalos.

O conceito é familiar: fazer uma série de fotos seguidas com intervalos muito curtos para captar a maior quantidade possível de detalhes. Não demoraria muito para esse conceito ser adaptado para usos práticos, como julgar eventos competitivos e mais tarde para o entretenimento.

A base material para esse registro, depois de muitas mudanças através da história da fotografia, se consolidou com o celuloide: uma base maleável e transparente sobre a qual seria possível espalhar a emulsão de sais de prata que, quando atingidos pela luz e revelados, escureceriam - se transformando em prata metálica - e formariam uma imagem. Esse material passou a ser não só o principal suporte para a fotografia, como possibilitaria o surgimento do cinema como conhecemos.

Por ser maleável, esse suporte pode ser armazenado em rolos, o que permite que longas tiras de celuloide com essa emulsão de sais de prata (a partir de agora referido como película) sejam produzidas e transportadas. Mais do que isso, essas tiras possibilitariam o uso de chassis metálicos, vedados à entrada de luz, que poderiam ser acoplados a câmeras especiais capazes de realizar fotografias sequenciais.

Após colocada a película dentro de uma câmera, ela poderia fazer uma fotografia, puxar a tira e realizar uma nova fotografia num pedaço não utilizado da tira. Esse processo poderia ser repetido automaticamente através de um sistema mecânico, que poderia ter operação manual ou com uso de um motor.

Esse processo resulta em uma longa tira de película com diversas fotografias dispostas uniformemente ao longo de todo o seu comprimento. A essas fotografias que compõem um momento registrado do movimento dá-se o nome de fotograma.

Quando visualizados sequencialmente em um intervalo de tempo uniforme e curto, esses fotogramas são percebidos pelo nosso cérebro como uma coisa só. Quando essas imagens de alguma forma piscam diante de nós, no caso de uma tela de cinema tradicional com projeção, entra em ação ainda outro fator: a persistência retiniana. Ou seja, quanto tempo após um raio de luz estimular nossa retina nós ainda enxergamos essa luz. Graças a esse fenômeno, não vemos a tela do cinema piscando, e por isso a ilusão de movimento se mantém. 

O gif acima mostra como o filme não é literalmente rodado, mas sim ele é "puxado". Cada fotograma entra inteiro na exibição, e o tempo de mudança de um fotograma para o outro é o tempo que o projetor pisca. Obviamente o gif apresenta uma velocidade infinitamente inferior à velocidade com que isso ocorre na realidade, mas é uma boa forma de entender que ele não vai rodando livremente, mas sim de fotograma por fotograma. 

Essa base sobre como funciona o mecanismo do filme, e a diferença dele para um filme fotográfico é essencial para tratarmos das questões básicas do cinema. O próximo artigo será uma introdução aos conceitos de plano, sequência, e outras bases do filme, para só então tratarmos de enquadramentos. 


Vitor Novaes e Shay Esterian
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MATERIAL BEM INTRODUTÓRIO SOBRE CINEMA:
  • BERNADET, Jean-Claude. O que é Cinema. 1. ed. [S. l.]: Brasiliense, 1996.

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