Os primórdios do Cinema - Edison, Lumière, Méliès e o cinema de atrações

Em 28 de dezembro de 1895, os irmãos Lumière fizeram a primeira exibição pública e comercial do cinema no “Grand Café” em Paris. Essa data, que geralmente define o surgimento do cinema, é controversa por alguns motivos. O primeiro deles reside na reivindicação do pioneirismo por diferentes pesquisadores. Nos Estados Unidos, por exemplo, Thomas Edson, inventor da lâmpada elétrica e do fonógrafo, criou, em 1893, o quinetoscópio, aparelho individual que permitia o acesso às imagens em movimento. Na Alemanha havia Max Skladanowsky, com seu bioscópio, e assim por diante. Essa diversidade mostra que o caminho que levou ao cinema não foi único, Mas fez parte de um processo constituído por muitas idas e vindas. (MORETIN, 2009, p.25)

Visitar os primórdios do cinema é como assistir stories sem som. As pessoas sabem - e sabiam na época também - que você não vai ouvir nada, então pra isso intercalam os vídeos com cartelas. Contudo, na verdade, os primórdios que se tratam esse texto está mais para 1 minuto de vídeo que o feed do Instagram permite. Você tem 1 minuto para contar a sua história, e é isso. A diferença é que na época o equipamento era um pouco mais pesado e você não podia cortar nem editar. O primórdio que lhes digo, é esse:


Esse filme, intitulado A Chegada do Trem na Estação, data 1895, produzido pelos Irmãos Lumière, foi um dos primeiros filmes a serem apresentados publicamente pela dupla. Uma curiosidade interessante é que no momento da exibição do filme, quando o trem se aproxima, pessoas saíram correndo com medo de serem pegas pelo mesmo. Sobre essa curiosidade, que a princípio pode ser motivo de piada, é interessante pensar sobre como era a perspectiva das pessoas numa época sem a existência de uma tela que reproduz coisas. Era uma época em que as pessoas estavam apenas acostumadas a verem o que estava lá, e de repente surge algo que o que você vê não está ali. Crescemos cercados pela televisão, pelos computadores e pelos aparelhos móveis, a reprodução de coisas não nos causa mais efeito, temos na memória - talvez - nossa primeira experiência com um filme 3D, mas isso pode nem ter sido tão marcante assim para alguns. O ponto é que o cinema é muito mais revolucionário do que a princípio hoje se imagina, o ato de se observar algo que não está lá era reservado a shows de mágica, ou algo que estivesse no campo do ilusionismo, não propriamente a ciência.


Irmãos Lumière.
Thomas Edison e os irmãos Lumière correram contra o tempo em apresentar ao mundo seus filmes, estes eram produzidos pelo mesmo princípio que temos hoje, uma sucessão de fotogramas que é captado e colocado em sequência a uma velocidade específica que nos permite a sensação de movimento. Nessa época, os filmes não ocupavam o espaço que ocupam hoje na experiência humana, e estes estavam sempre atrelados a uma apresentação da realidade, num geral sem cortes, sobre algo cotidiano. Os irmãos Lumière possuem o filme "A Saída da Fábrica Lumière" que nada mais é que uma filmagem dos portões da fábrica sendo abertos, de onde saem os funcionários, até o momento de seu fechamento. Thomas Edison possui seu filme chamado "O beijo", em que retrata um casal em um momento íntimo, até o ato de seu beijo. Os filmes, que nessa época não passavam de pouco mais de 1 ou 2 minutos, ainda estavam no momento de apresentar esta nova ferramenta. 

É muito importante termos em mente que os primórdios do cinema o som não existia. Isso parece óbvio porque, bem, todos sabem que o cinema mudo existiu, mas o ponto é muito mais importante que simplesmente apertar o botão do mudo do controle ou tirar o som do vídeo no Youtube. Quando falamos de um cinema sem som, falamos de uma época em que a encenação era feita com a consciência da ausência da fala, e a informação do filme deveria ser passada assim. Até então, os filmes eram em sua maioria acompanhados por algum instrumento ao vivo, e servia apenas como um apoio às imagens projetadas, que já comunicavam por si mesmas. Estamos falando de uma comunicação não verbal, e isso é algo completamente diferente do que estamos acostumados hoje.


[...] enquanto Edison garantia o sucesso do seu empreendimento com o quinetoscópio e seu outro invento, o vistascópio, os Irmãos Lumiére se adaptavam, cada vez mais, às necessidades de mercado. O que significava, naquele momento, atender às exigências do principal local de exibição dos Estados Unidos: os vaudevilles*. Atendendo ao mercado dos vaudevilles, os Lumiére criaram um tipo de padrão pré-industrial de fornecimento do projetor, filmes e o operador. Fato que permitiu ao cinema preservar certa autonomia na exibição, mantendo assim seu caráter anárquico do espetáculo de variedades, já que ficava a cargo do operador decidir a ordem e a duração das seqüências cinematográficas.
Para entendermos o primeiro cinema é preciso nos atermos antes às especificidades dos modos como ele era exibido, o que nos leva a tomar a importância de lugares como vaudeville e os nickelodeons em nossa analise. Como já dissemos, estes lugares desfrutavam de uma atmosfera plebéia e de “baixo nível”, e o público que freqüentava estes espaços buscava diversão muito além do que podia ser conferido nas telas. “Quando, num primeiro momento, a venda de álcool era ainda tolerada nesses locais e a prostituição florescia ao seu redor, não era difícil que uma visita a uma dessas casas se transformasse em bebedeira, quebra-quebra ou aventura sexual.” (MACHADO, 1987, p. 87). Além dos estímulos e diversões propiciados por estes ambientes extras, as suas verdadeiras atrações, as primeiras seqüências cinematográficas ainda dividiam a atenção do público com outras formas de espetáculos como circos, curiosidades, feiras, carroças de mambembes, panoramas, dioramas ou peças teatrais. O cinema não era uma atração exclusiva, aliás, as salas de exibição dedicadas exclusivamente à difusão de filmes, como nos lembra Arlindo Machado, constituem um fenômeno mais recente. (LADIM, 2008, p. 4-5)

A autora Marisa Ladim, com o trabalho O Primeiro Cinema e o Cinema Contemporâneo: Algumas Aproximações, fala muito bem dessa época inicial mas crucial do primeiro cinema. Ela ainda ressalta muito bem o que a autora Flávia Cesarino Costa fala sobre o primeiro cinema ser dividido em duas fases, uma mais inicial, em que os filmes eram sem cortes, que retratavam mais a realidade, ou seja, os filmes que relatei nas partes anteriores do texto, e um segundo momento, mais experimental, em que já se existia uma preocupação no contar histórias. Essa segunda fase, Costa vai dizer que é entre 1908 e 1915, momento em que já começam as primeiras narrativas cinematográficas. 


Dentre os nomes principais dessa fase narrativa do cinema, Georges Méliès está entre eles. Produzindo em 1902 seu filme extremamente conhecido, Le voyage dans la Lune (Viagem à Lua), e em 1904 Voyage à travers l'impossible, ambas inspiradas em Júlio Verne (escritor de ficção-científica), esse diretor foi um dos primeiros a usar stop-motion, múltiplas exposições e storyboards. Méliès é precursor do cinema surrealista, e também pioneiro no horror, com seu filme Le Manoir du Diable (1896). Assistindo aos filmes do diretor é interessante perceber como sua estética ainda é extremamente teatral. O motivo disso vem tanto do diretor ter relações com o Teatro, quanto a própria ideia do cinema de atrações acima mencionado por Ladim e Costa.


Os filmes dessa época se dividiam entre ficção e filmes de vaudeviles, ou seja, filmagens das próprias atrações dos vaudeviles, e isso se dava porque a linguagem do cinema ainda não existia, e o ato de filmar era visto como uma ferramenta atrativa, e não uma arte propriamente dita. Costa também vai falar no seu livro que um dos primeiros filmes com mais de um plano foram filmes ficcionais sobre as Paixões de Cristo. "Eram compostas de planos autônomos que descreviam os diferentes momentos da vida de Cristo na forma de quadros vivos, encenados segundo o modelo das Passion Plays**." (COSTA, 2005, p.47)

Uma das coisas importantes aqui neste artigo é deixar claro o quão simplista é resumir toda a história do cinema mudo como uma única coisa. Quando pegamos livros e textos online que nos resumem essa época como uma única coisa, cortamos toda uma memória extremamente importante para a compreensão do que temos hoje. Dentro do livro da Costa, ela cita uma parte muito interessante do trabalho do Tom Gunning sobre esse primeiro cinema, e acho interessante trazer aqui também,

O que é, precisamente, o cinema de atrações? Em primeiro lugar, é um cinema que se baseia na (...) sua habialidade de mostrar alguma coisa. Em contrate com o aspecto voyeurista do cinema narrativo analisado por Christian Metz, este é um cinema exibicionista. Há um aspecto do primeiro cinema (...) que representa esta relação diferente que o cinema de atrações constrói com seu espectador: as frequentes olhadas que os atores dão na direção da câmera. Esta ação, que mais tarde é considerada como um entrave à ilusão realista do cinema, aqui é executada enfaticamente, estabelecendo contato com a audiência. Dos comediantes que interpelam a câmera à gestualidade afetada e reverente dos prestigiadores nos filmes de mágica, este é um cinema que mostra sua própria visibilidade, disposto a romper o mundo ficcional auto-suficiente e tentar chamar a atenção do espectador. (GUNNING, 1986, p.57)

O cinema a partir de 1915 então tomará novos caminhos, Griffith irá aparecer nos Estados Unidos, Eisenstein e Vertov na União Soviética, Pastrone na Itália, e daí temos uma nova fase do cinema mudo. Como conteúdo sobre esses primórdios cinematográficos, acredito tê-los munido de informações básicas para entenderem um pouco mais sobre esse universo. No Youtube há inúmeros filmes dessa época, e deixarei linkado ao fim da publicação alguns canais que se dedicam somente a isso. Além disso, no canal do setima.art do Youtube possui uma playlist somente com material de estudo, com filmes dessa época que subi para o canal para vocês terem o acesso mais rápido, o link da playlist está abaixo também.


* Os vaudeviles surgiram a partir dos teatros de variedades – com conotações exclusivamente eróticas — que em geral funcionavam anexos aos chamados “salões de curiosidades” (que exibiam coisas como mulheres barbadas, anões, bicho de duas cabeças e outras aberrações). (LADIM, 2008, p.4)

** As Passion Plays mais famosas eram encenações do Evangelho feitas na Europa, em locações naturais no ar livre e das quais participavam como atores os próprios habitantes das cidades, em sua maioria camponeses. Algumas delas eram mundialmente famosas como a de Oberammergau e a de Horitz. Foram estas encenações que forneceram o modelo e a estrutura para as primeiras filmagens da Paixão. (COSTA, 2005, p.47) 

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REFERÊNCIAS
  •  COSTA, Flávia Cesarino. O Primeiro Cinema - Espetáculo, narração, domesticação. Rio de Janeiro. Azougue Editorial. 2005.
  • GUNNING, Tom. The Cinema of Attractions: Early Film, its Spectator and the Avant-Garde. Baltimore. John Hopkins University Press. 1986.
  • LANDIM, Marisa. O Primeiro Cinema E O Cinema Contemporâneo Algumas Aproximações. Rio de Janeiro. Contemporânea Edição Especial Vol. 6 Nº03. 2008.
  • MORETIN, Eduardo. Uma história do cinema: movimentos, gêneros e diretores. São Paulo. Governo do Estado de São Paulo. 2009.

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