Primeiros passos no estudo de Cinema Mundial

Muitos livros sobre Cinema, especialmente aqueles que se propõem contar a história do cinema como um todo, trabalham com um sistema de fatos e acontecimentos cronológicos, pincelando em uma linha do tempo o caminhar da sétima arte. Começamos por Edison, depois os Lumière, e daí em diante. Mas, ainda que estes livros tenham uma proposta extremamente interessante, sendo muitas vezes a introdução de leigos nessa arte de apenas pouco mais de 120 anos, e também servindo de auxílio rápido para aqueles que precisam se lembrar de uma data ou algum movimento, eles apenas nos dão uma pincelada do que aconteceu nesses anos todos, e definitivamente ninguém sairá um expert em história do cinema lendo apenas um livro.

O motivo para a afirmação acima acontece porque estudar a história do cinema mundial é uma tarefa extremamente audaciosa e que, sem dúvida alguma, leva muito tempo. São diversas variáveis que precisam ser consideradas e além disso há também seus recortes e os pontos de vistas a serem levados em consideração. Um exemplo disso são os próprios livros mencionados acima que, em sua grande maioria, contam a história do cinema de um ponto de vista majoritariamente Hollywoodiano; os demais países e seus respectivos cinemas são classificados em uma aba "Outros cinemas" ou algo nesse sentido. Eles decidiram por um recorte popular, mas é necessário ressaltar que se o desejo é realmente estudar a fundo o cinema, enxerga-lo de diferentes pontos de vista é fundamental.

Jacques Aumont.
Foi estudando para a publicação deste primeiro artigo que percebi o quão sério é este material que me propus a escrever, pois tenho como intenção não produzir um material genérico, mas sim algo que sirva realmente como um caminho de estudo sério para aqueles que estão procurando este conteúdo. Levantei a bibliografia do meu curso de Cinema Mundial da faculdade, que foi lecionada pelo professor FABIÁN NÙÑEZ, um excepcional pesquisador de cinema latino-americano, e já deixo como primeira indicação de autor para o caminho do estudo de cinema (há diversos conteúdos escritos por ele no Google Acadêmico). Começando por uma obra de JACQUES AUMONT, chamada A Estética do Filme (1995), o livro é dividido em 5 capítulos, sendo eles O filme como representação visual e sonora, A montagem, Cinema e narração, Cinema e linguagem e, finalmente, O filme e seu espectador. Logo em sua introdução, o autor já trás uma ideia interessante,

 [...] vamos tentar uma breve tipologia dos escritos sobre cinema. Estes podem dividir-se globalmente em três conjuntos de tamanho muito desigual: as revistas e livros destinados ao "grande público", as obras para "cinéfilos" e, finalmente, os escritos estéticos e teóricos. Essas categorias não são rigorosamente estanques: um livro para cinéfilo pode atingir um grande público, mesmo tendo um valor teórico inegável, esse caso é evidentemente excepcional e refere-se, na maioria das vezes, aos livros de história do cinema, como, por exemplo os de Georges Sadoul. (AUMONT, Jaques. A Estética do Filme. p.9-10)

O autor então escreve sobre os 3 tipos de conteúdos cinematográficos e, ao chegar no teórico, o descreve logo de início como o setor mais reduzido de conteúdo, mas ainda assim ressalta grandes momentos na história. Aumont cita os clássicos russos na teoria cinematográfica, húngaros, alemães e italianos. Hoje em dia, é importante levar em consideração a quantidade de material francês que se criou ao longo do tempo sobre cinema. Estudar Cinema sem ler autores franceses é praticamente impossível, assim como é impossível se aventurar nesse mundo sem ler EISENSTEIN. 

Na cultura popular, estamos rodeados por conteúdos sobre cinema (e consequentemente sobre audiovisual também), e é um dever lembrarmos que todos esses conteúdos reproduzidos pelo público é sempre o ponto de vista de alguém, num geral alguém que detém mais poder político e financeiro, que conseguiu estabelecer suas ideias em cima das demais. Esse é o motivo simples pelo qual as massas conhecem muito do cinema Hollywoodiano e muito pouco - ou nada - de filmes de outros lugares.

Desbravar a história do Cinema é caminhar por caminhos extremamente vastos, mas que alguém tirou a maior parte das placas de "entre aqui". Por isso, conhecer o cinema do mundo é, literalmente, conhecer o cinema do mundo. Buscando em um outro livro, também de um francês, JEAN-LUC GODARD (grande da Nouvelle Vague), cujo nome do livro é deveras audacioso, Introdução a uma verdadeira história do cinema (1980), o autor se lamenta, logo no início do livro da dificuldade de se estudar cinema, 

Jean-Luc Godard.
Antes de assistir Griffith e Eisenstein ou Murnau, para citar exemplos conhecidos, é difícil reunir os meios materiais existentes, que são, por exemplo, passar um filme, pô-lo em câmera lenta, ver num dado momento como Griffith ou outro qualquer se aproximou de um ator e utilizou, se não inventou, de maneira um pouco metódica, o plano. Como criou uma figura de estilo, como encontrou algo, do mesmo modo que em determinados momentos escritores inventaram uma determinada gramática. Pois é, é preciso ter o filme de Griffith, deter-se no filme de Griffith para identificar o momento em que se sente que alguma coisa está acontecendo... e se pensarmos, por exemplo, que aconteceu alguma coisa mais ou menos análoga, mas de maneira diferente que é sua continuação, seu primo ou seu complemento na Rússia, por exemplo, se o compararmos com Eisenstein, é necessário encontrar o filme de Eisenstein, deter-se para identificar o momento, em seguida mostrar os dois momentos e então fazê-lo com outras pessoas, não o fazer sozinho, para ver se há realmente alguma coisa. Finalmente, se não há nada, procura-se em outra parte. Exatamente como fazem os cientistas num laboratório. Mas esse laboratório não existe. (GODARD, Jean-Luc. Introdução a uma verdadeira história do cinema. p.12-13)

O autor começa o próximo parágrafo com a seguinte frase "Tenho a idéia do método, mas não disponho dos meios.". A citação do parágrafo anterior e a deste parágrafo servem para exemplificar como, em outras décadas, o estudo de cinema era extremamente difícil. Tal dificuldade explica também o motivo de sua inacessibilidade, pois a necessidade de poder aquisitivo para se dedicar a isso fica evidente nos escritos de Godard. Entretanto, estamos na segunda década do século XXI. Se antes era difícil assistir Griffith e Eisenstein ao mesmo tempo, você hoje consegue dividir a tela do seu computador, e a câmera lenta já é uma ferramenta do próprio Youtube e de diversos softwares de vídeo. As ferramentas existem, esse laboratório que Godard anseia em 1980 está na sua mão lendo este texto agora.

Como conteúdo introdutório para o mundo da história do cinema mundial, paro por aqui. Já há nomes suficientes para um único artigo. Logo no início eu comecei falando sobre Edison e os Lumière, Aumont mencionou os livros de Georges Sadoul como uma fonte confiável. Godard falou sobre Griffith, Eisenstein e Murnau. E eu mesma mencionei 3 autores, Jacques Aumont, Godard e Fabián Nùñez. Há nomes suficientes para uma pesquisa inicial, mas, como próximo conteúdo, certamente haverá Edison, Lumière e os demais. O importante é entender que o estudo de história do cinema não é feito por uma linha cronológica e avanços tecnológicos, mas sim de linguagem e técnica, além desse estudo ser de diversas cores e línguas.


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REFERÊNCIAS.
  • AUMONT, Jacques. A Estérica do Filmes. 7. ed. Campinas: Papirus Editora, 2009.
  • GODARD, Jean-Luc. Introdução a uma Verdadeira História do Cinema. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes Editora. 1989.

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